Aprenda com Lei Feng 雷锋: O Espírito da Generosidade Chinesa

Aprenda com Lei Feng 雷锋: O Espírito da Generosidade Chinesa

Quando crianças, costumamos nos espelhar em um ou mais ídolos. Até dizemos que queremos ser como essas pessoas quando crescermos. Pais nomeiam seus filhos em homenagem a ícones do momento. Esses modelos muitas vezes são famosos com habilidades extraordinárias, normalmente relacionados ao cinema, música ou esportes. Muitas vezes, não nos importamos com os valores que carregam esses personagens, sequer levamos em conta se têm bom coração ou não; o importante é que sejam incríveis no que fazem. Será que existe um cidadão modelo que não tenha nada de especial, além de sua generosidade, bondade, e trabalho duro? Na China sim, e seu nome é Lei Feng (雷锋).

Nos anos 60, a China foi tomada por cartazes que diziam: “Aprendam com o bom exemplo de Lei Feng” (学习雷锋好榜样). Até hoje, todo dia 5 de Março na China é o Dia de Aprender com Lei Feng (学雷锋日). Mas, afinal, quem foi Lei Feng? E o que a generosidade chinesa tem a ver com tudo isso?

Bondade: a base do pensamento chinês

Na filosofia chinesa, há referências constantes sobre solidariedade, honra, honestidade e união. Seu núcleo é a bondade, como descrito por Laozi (老子) no capítulo 49 do Daode Jing – ou Tao Te Ching (道德经):

Com os bons, faço o bem 
善者,吾善之
Com os que não são bons, faço o bem também 
不善者,吾亦善之
Adquirindo o bem 
德善
Com os sinceros, sou sincero 
信者,吾信之
Com os que não são sinceros, sou sincero também 
不信者,吾亦信之
Adquirindo a sinceridade
德信

Os chineses são uma sociedade coletivista. O grupo como um todo é o mais importante e, uma vez que todos fazem parte do grupo, todos devem ser gentis uns com os outros. Se um membro do grupo não age bem, o grupo não funciona corretamente. Ser rude com um é ser rude com todos. Confúcio (孔子) disse: “Aja com bondade, mas não espere gratidão”. Ainda segundo Confúcio: “Praticar essas cinco coisas em todas as circunstâncias constitui a virtude perfeita; essas cinco coisas são atenção, generosidade de alma, sinceridade, seriedade e bondade.”

Como no Ocidente vivemos em uma realidade completamente diferente, é muito difícil para nós entendermos completamente essa generosidade, que é praticada pelos chineses e historicamente pela China. Em algumas culturas ocidentais, a generosidade e o coletivismo podem até ser vistos com maus olhos.

De fato, a milenar “Diplomacia do Panda”, que consiste em a China presentear outros países com pandas, já foi criticada diversas vezes ao longo da história. O histórico da China de doação de alimentos a países mais pobres e, recentemente, de médicos, medicamentos e vacina, é amplamente criticado por autoridades ocidentais, que questionam “as reais intenções” por trás dos gestos. No entanto, segundo o diplomata chinês Zhang Ming (张明): “Não importa que tipo de rótulo seja colocado nos esforços da China, continuaremos a fazer a coisa certa – isto é, estender uma mão amiga e salvar o maior número de vidas possível”. Enquanto o ódio aos chineses e asiáticos em geral se espalha pelo mundo, os chineses continuam tratando visitantes estrangeiros com cordialidade e respeito.

Lei Feng: o símbolo da generosidade

Nascido em 1940 e filho de camponeses, Lei Feng ficou órfão quando ainda era criança. Seu pai e seus irmãos foram assassinados durante a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial. Pouco depois, sua mãe cometeu suicídio após ser estuprada. Após perder todos os seus familiares, o jovem Lei Feng foi adotado pelo Exército de Libertação Popular.

Lei Feng passou a trabalhar como mensageiro do governo local, e depois como metalúrgico, antes de iniciar sua carreira no Exército de Libertação Popular como caminhoneiro. Este foi seu último emprego quando, durante um acidente de trabalho, foi atingido por um poste telefônico e faleceu apenas aos 21 anos de idade.

Lei Feng - popular entre as crianças
Lei Feng também é retratado como um ótimo exemplo para as crianças.

Lei Feng sempre viveu uma vida simples. Apesar de em vida ter sido reconhecido por seu trabalho duro, dedicação, humildade e generosidade, nunca chamou atenção por algum talento excepcional. Foi só depois da sua morte que ele se tornou cidadão modelo e herói nacional.

Como Lei Feng não tinha mais família, após sua morte, outros militares se dispuseram a desocupar sua casa. Entre seus objetos pessoais, foram encontrados diversos materiais escritos pelo Lei Feng, como poemas e seu diário pessoal. Em seu diário, Lei Feng guardava uma coleção de fotos e histórias detalhadas sobre seu dia a dia, repletos de boas ações que ele mantinha em segredo.

Seus registros mostram seu prazer em fazer parte de um todo, um “parafuso não enferrujado” cujos atos anônimos foram pequenas contribuições para uma causa maior. Sua ideia de um domingo perfeito parecia ser lavar cinco colchões (ou 400kg) de repolho para sua comunidade, levar uma senhora idosa para casa na chuva e, por fim, carregar a cesta de compras de um senhor no caminho de volta para casa. Ele também guardava planilhas de controle de finanças pessoais, gastando apenas com o mínimo necessário, e doando todo o restante anonimamente aos mais necessitados.

Surpresos, os militares decidiram procurar as pessoas relatadas no diário, confirmando a veracidade dos eventos. Lei Feng foi, então, novamente adotado mas, desta vez, pelo povo chinês. Cartazes com fotos de Lei Feng e suas boas ações eram espalhados pelas ruas entre os anos 60 e 90. Eles diziam coisas como “Aprenda com Lei Feng” (向雷锋学习), e logo foi cunhado o termo “Espírito de Lei Feng” (雷锋精神), ou seja, “o espírito de servir às pessoas de coração aberto”.

Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng
“Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng” (学习雷锋好榜样). Cartaz publicado no início dos anos 80.

Lembrado até os dias de hoje, Lei Feng tem seu rosto estampado em mochilas, bolsas, camisetas etc. O mascote da Xiaomi (小米), Mitu (米兔), é inspirado em Lei Feng. Ele também tem sua imagem eternizada em uma estátua na sua cidade natal, Changsha (长沙), além de um dia dedicado só para lembrarmos de seus atos: 5 de Março, o Dia de Aprender com Lei Feng (学雷锋日).

Com exceção de figuras religiosas, o Ocidente não tem um cidadão modelo como Lei Feng. Celebramos talentos extraordinários, ou aqueles que sofreram por uma grande causa. No entanto, não costumamos colocar em pedestais pessoas que dedicaram a vida como “carregadores de piano”. Na China, Lei Feng é a referência do espírito comunitário – aqueles atos mais simples do cotidiano que significam pouco para a história, mas muito para aqueles que os recebem. Humilde, mas não menos importante.

Conclusão

Os chineses são bem informados sobre nomes famosos do Ocidente. Crianças de oito anos aprendem sobre Newton, Einstein e Edison, enquanto os empreendedores se inspiram em Bill Gates e Steve Jobs. Na China, Harry Potter é muito lido, Picasso está em grandes galerias, Shakespeare enche os teatros, as salas de concerto tocam música clássica ocidental. Parece estranho, então, dada a importância e a história da China, que além de Confúcio (孔子), Mao Zedong (毛泽东), Jackie Chan (成龙) e Bruce Lee (李小龙), haja muito pouca compreensão no Ocidente das figuras mais notáveis e grandes mentes do país. O caminho para a alma de uma nação não passa por seu PIB ou líder atual, mas pelos personagens que ela escolhe celebrar ou condenar. Aqui, apresentamos um dos ícones mais celebrados na China: Lei Feng.

A palavra em chinês para “todos” é dàjiā (大家). Dà (大) significa “grande”, e jiā (家) significa “lar” ou “família”. Lei Feng perdeu sua família muito cedo, mas adotou a todos como sua nova família. Aprendendo com Lei Feng e com a filosofia chinesa, compreendemos que todos somos uma única família, dividindo o mesmo lar.

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